segunda-feira, 1 de junho de 2009

O jogo já começou

Carlos Chagas

Dá o que falar a pesquisa da Datafolha, divulgada ontem, a respeito do terceiro mandato para o presidente Lula. Porque passou de 65% para 49% por cento o número consultados contrários à proposta. Menos da metade, ainda que o número de indecisos leve a 47% os partidários da mudança constitucional.

Basta notar a ascensão dos que apóiam a permanência do presidente no poder para se ter a noção do perigo que vem por aí. Não adianta mais tapar o sol com a peneira, em especial se vingar a maior premissa do terceiro mandato, que é a realização de um plebiscito a respeito. Porque na mesma pesquisa, a popularidade do Lula passou de 65% para 69%.

Trata-se de um problema de organização. Estão organizados os partidários da continuidade, que até apresentaram, semana passada, emenda constitucional a respeito. Desorganizados, ou melhor, apáticos, encontram-se quantos julgam o terceiro mandato um golpe de estado. Também, ficam com a cara no chão tucanos e os democratas, sem argumentos para protestar. Ou no primeiro mandato de Fernando Henrique não promoveram o segundo, com a maior desfaçatez, até permitindo que o sociólogo disputasse mais uma eleição no exercício do governo, sem necessitar desincompatibilizar-se?

É cedo para prognósticos decisivos, apesar de setembro estar longe de ser o limite máximo para quaisquer mudanças. Se a Constituição determina que alterações eleitorais precisam ser estabelecidas até um ano antes das eleições, também estabelece não haver terceiro mandato. Quem pode o mais pode o menos, diz o ditado. Se vão mexer num artigo, por que não mexerão no outro?

Há quem suponha ser o terceiro mandato uma espécie de cortina-de-fumaça capaz de encobrir a verdadeira intenção dos que pretendem a continuação do Lula: numa determinada fase da tramitação da PEC, seu conteúdo seria trocado pela prorrogação de todos os mandatos por dois anos. Eclodiria a felicidade geral, no mundo político, sem a necessidade de esforços e gastos eleitorais. Coisa de que até as oposições gostariam, apesar de parecer iniciativa ainda mais execrável do que a primeira. Enfim, as cartas estão sendo distribuídas, o jogo já começou.

Bateu na moleira

Ainda a propósito da reeleição de presidentes da República, vale relembrar episódio acontecido nos últimos dias de 1959, quando a capital federal ainda funcionava no Rio. Preocupados com as más perspectivas eleitorais do seu candidato já definido, marechal Teixeira Lott, deputados do PSD procuraram Juscelino Kubitschek, no palácio do Catete. Tancredo Neves era um deles. Com muito jeito, e reconhecendo a imensa popularidade do presidente, prestes a inaugurar Brasília, eles propuseram apresentação de emenda constitucional que permitisse a JK candidatar-se no ano seguinte a um novo mandato.

O presidente ficou irritado e encerrou a conversa dizendo: “Isso aqui é democracia mesmo, não se iludam!”

Logo depois convocou o ministro da Justiça, Armando Falcão, ao seu gabinete, e determinou que divulgasse nota oficial à imprensa, em seu nome, rejeitando a hipótese de permanecer no poder e afirmando com todas as letras que passaria o governo a seu sucessor, democraticamente eleito, a 31 de janeiro de 1961.

Aguarda-se um chamado do ministro Tarso Genro ao palácio do Planalto...

Agruras

Continuam dando dor de cabeça ao PT e demais partidos da base oficial os números divulgados semana passada, de que dois terços das obras previstas pelo PAC ainda não saíram do papel, e que apenas 3% delas foram concluídas. Perto de 70% dos empreendimentos anunciados encontram-se em fase preparatória, de contratação e licitação, alguns até apenas em estudo.

Trata-se de forte obstáculo à candidatura de Dilma Rousseff , a “mãe do PAC”, e de monumental problema para o presidente Lula, já que apesar de todas as promessas e boas intenções, dinheiro não há. Crise econômica mostra suas unhas, sendo que este ano e o próximo ainda parecem de contenção orçamentária.

O PAC, para completar-se, necessitaria de dois anos de normalidade, se a crise for, afinal, afastada. Seriam 2011 e 2012. Entenda quem quiser entender...

O verdadeiro poder

Queixam-se governadores, cada vez com mais intensidade, de que vem a Brasília, acertam com o presidente Lula e com a ministra Dilma Rousseff boa parte de seus pleitos, saem satisfeitos, dão declarações otimistas quando chegam a seus estados, mas, logo depois, não acontece nada.

Um estranho poder paira sobre o palácio do Planalto, desautorizando decisões tomadas pelo comandante em chefe e sua principal auxiliar, obturando as linhas de transmissão e levando muita gente a procurar onde se localiza a real fonte do poder governamental. De maneira simplística, admite-se que seja a equipe econômica, com Guido Mantega e Henrique Meirelles à frente, mas ambos negam, quando questionados. Da mesma forma o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento.

A resposta poderia estar nos escalões inferiores, da tecnocracia à burocracia, aquela barreira impessoal que vem de décadas, organizada a partir dos governos militares e impoluta até hoje. Será sempre bom lembrar os sucessivos desabafos do então presidente José Sarney: “a gente dá uma ordem e ela não chega na ponta da linha!”

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