quinta-feira, 4 de junho de 2009

Justiça no Brasil, um panorama terrível

Pedro do Coutto

Os jornais de quarta-feira, 3 de junho, publicaram um balanço apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça, cujo presidente, Gilmar Mendes, é também o do STF, assinalando que existem no país – em números redondos – 70 milhões de ações ajuizadas, total de 2008, das quais foram julgadas apenas 25 milhões. Uma calamidade, sobretudo porque provavelmente o fluxo de processos novos a cada doze meses supera o total dos julgamentos. Deve acontecer tal fenômeno, sobretudo porque os julgamentos, em sua maioria, não são definitivos e dão margem a recursos em várias instâncias. Recursos em muitos casos intermináveis. Existem ações, especialmente as contra o INSS, que se arrastam por dez e até vinte anos. A situação, portanto, é de calamidade produzindo um ciclo que ameaça não ter fim. Isso de um lado.

De outro existe uma sobrecarga enorme pesando contra os magistrados, a começar pela primeira instância. Quase impossível resolver-se uma questão judicial em nosso país. Os recursos se sucedem em várias escalas. E não apenas isso. Há tempos comentei o tema com o desembargador Liborni Siqueira, meu amigo, e que participava comigo da mesa de debates de Haroldo de Andrade, na Rádio Globo.

Ele concordou que falta, como acontece nos EUA, liquidez nas sentenças. Discute-se a procedência do direito, julga-se em função de sua legitimidade. Perfeito. Mas a seguir vem o problema de cálculos financeiros que estão contidos direta e indiretamente na maioria das controvérsias. Abre-se então uma janela para o infinito. O INSS, vejam só um exemplo, perde uma ação entre as centenas de milhares em que é derrotado. Aí a discussão transfere-se para o campo de definição financeira. Não acaba mais. As contestações protelatórias referem-se a importâncias mínimas. Os processos não acabam nunca. Isso no plano administrativo.

No plano criminal, temos o exemplo do assassino Pimenta Neves, condenado a 18 anos de prisão há sete anos, pena reduzida recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para 15 anos. Está solto. Vai recorrer de novo. O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, enquanto houver possibilidade de algum recurso, o condenado pode permanecer em liberdade. Assim, um processo, em face dos degraus existentes, transforma-se em vários outros. O efeito multiplicador é enorme. Desencorajador para o próprio princípio de Justiça, desestimulante para toda a sociedade. As decisões, no Brasil, no fundo, são pouco substantivas.

Nos EUA ao contrário. E não existe a série infindável de estratagemas que existe aqui. Tem-se a impressão que o impulsiona direção da impunidade move os questionamentos. Além disso, há disposição básica de transgredir, de descumprir a lei. Citei o INSS. Exemplo emblemático, já que 40% das ações que tramitam na Justiça Federal são contra ele. Alguém se aposentou, há 15 anos, digamos, recebendo 10 salários mínimos. Com o passar do tempo, a aposentadoria desceu para 5, embora o artigo 201 da Constituição Federal determine que os proventos têm que ser preservados da corrosão inflacionária. No papel, como tantas outras coisas. Na prática, ocorre o contrário. Daí vem as ações na Justiça.

Em nosso país, a palavra é uma coisa. A ação outra. Nem sempre a primeira corresponde à segunda. O que acontece então?

Milhões de ações na Justiça congestionando as pautas e mergulhando os magistrados numa sobrecarga que, segundo o ministro Gilmar Mendes, corresponde a 2 mil e 300 processos por juiz a cada ano. É demais. Este sistema significa que, a cada doze meses, cresce substancialmente o volume de ações a serem apreciadas, contestadas, julgadas. Para reduzi-las à metade, pelo menos, bastaria uma coisa: as autoridades públicas cumprirem a lei e respeitarem o próprio Direito, cuja fonte está na lógica e bom senso. E no respeito ao próximo.

3 comentários:

  1. Haroldo, voce se esqueceu comentar porque um numero tão alto de ações ? Será que há muita injustiça no Brasil ? Se pessarem um rigoroso pente fino, verão que a maioria das ações trata-se de mera locupleção. Há alguma coisa de errado no sistema quando uma senhora aposentada tem mais de 40 ações na justiça. O que se procura na justiça são brechas para arrancar dinheiro de quem tem. A justiça ensina e patrocina que as pessoas devem fazer o que é mais vantajoso do ponto de vista "financeiro" deixando de lado o que é certo do ponto de vista ético.
    Justiça no Brasil virou uma casino, uma loteria.
    Há milhares de advogados se comportando como marginais com a proteção da lei. A justiça se transformou na melhor expressão da malandragem brasileira, tão estudada pelos sociólogos.

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  2. Hélio

    Por favor, adicionei a foto da moradora de rua
    que fotografei em 2003 por duas vezes.
    (Claro que já a procurei dezenas de vezes e não a encontrei...)

    Por favor, retire uma das fotos.

    Muito obrigada.

    Eliana

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  3. Olá, Hélio,

    Eu insisto sempre na tese de que advogado para bem exercer sua função deve atuar exclusivamente como FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONCURSADO.

    Ao invés de tentarem passar nos exames da OAB, podem muito bem prestar o concurso e irem trabalhar na Defensoria Pública que é lugar de gente séria e comprometida com a verdadeira justiça, cujos vencimentos, contudo, aparentemente encontram-se defasados em relação aos demais operadores do direito social.

    Advogado particular não tem limites de ganhos, podendo até mesmo enriquecer mais que um juiz corrupto.

    Entretanto, para um juiz corrupto pode existir cadeia, mas para um advogado particular corrupto só aumenta a sua clientela.

    Uma coisa leva a outra: quanto mais injustiça houver, mais haverá quem pretenda vender um quilo de justiça por uma módica quantia.

    E assim caminha o sistema de terceirizações.

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