sexta-feira, 12 de junho de 2009

A ditadura deu filhotes

Carlos Chagas

Ainda não elucidada por completo, paira sobre Brasília a sombra da denúncia de haver o Senado, nos últimos anos, adotado “decretos secretos” para promover nomeações e contratos no mínimo discutíveis, escondendo seu conteúdo do “Diário do Congresso” e da opinião pública. A iniciativa se deveria ao antigo diretor-geral da casa, Agaciel Maia, ainda que pareça impossível o desconhecimento por parte de sucessivos presidentes e primeiros secretários da casa, aos quais ao menos teoricamente o amanuense se subordinava.

A ser verdadeira a informação, a primeira conclusão a tirar é de que a ditadura deu filhotes. Porque nos tempos do general Garrastazu Médici, criaram-se os “decretos secretos”, uma excrescência que teria sido cômica se não fosse trágica. Por diversas vezes, nos idos de 1970, o “Diário Oficial” publicou “decretos secretos” que eram mais ou menos assim: “Decreto secreto número X. O presidente da República, no uso de suas atribuições, decreta: seguem-se asteriscos e, depois, as assinaturas do presidente da República, de Alfredo Buzaid, ministro da Justiça, Orlando Geisel, ministro do Exército, Delfim Netto, ministro da Fazenda, e outros ministros.

Corria, durante o período, que o primeiro “decreto secreto” serviu para nomear o general Orlando Geisel chefe de toda a repressão, responsável maior pela segurança nacional, acima até mesmo dos ministros da Marinha e da Aeronáutica. Os DOI-CODIS também integrariam a parafernália.

No caso do Senado, vale repetir, a ser verdadeira a pantomima, a situação foi mais simples: os “decretos secretos” serviriam para acobertar nomeações abusivas e contratos pouco claros. Seria bom a própria mesa atual aprofundar as investigações, em nome da independência dos poderes e do basilar preceito jurídico de que todo mundo é inocente até que se lhe prove a culpa. Mas, se for provada, queremos saber que nomeações e que contratos exigiram segredo absoluto.

Em defesa do trabalhador

Notícias positivas também existem. Na reunião da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, esta semana, o presidente Lula deverá colocar um ponto final nas permanentes especulações de que o governo brasileiro, por imposição de nossas elites, estaria prestes a “flexibilizar” os direitos sociais que sobraram da demolição praticada por seu antecessor. De forma categórica, o Lula sustentaria a importância de em todo o mundo ser incentivada a garantia do trabalho. Em função da crise econômica mundial e das demissões em massa acontecidas em todo o planeta, a hora seria de as nações repensarem mecanismos para solidificar suas forças de trabalho, impedindo dispensas e, mais ainda, ampliando direitos e criando vantagens para os assalariados. Já que as multinacionais demonstraram sua fragilidade e tem sido até ajudadas com recursos públicos, cabe aos governos nacionais prover aquilo que as elites desprezaram, o bem-estar dos trabalhadores.

Tomara que às intenções correspondam os fatos e que a equipe econômica não atrapalhe a decisão presidencial. Porque “flexibilizar”, no dicionário do sociólogo, significou destroçar as leis trabalhistas, num ritmo até maior do que aquele praticado no governo do primeiro general-presidente, Castello Branco, por inspiração de seu ministro do Planejamento, Roberto Campos. Antes da crise, nossas elites insistiam em implodir o décimo-terceiro salário e as férias remuneradas, parcelando-as em doze vezes e fazendo-as desaparecer em poucos anos, dada a perda progressiva do poder aquisitivo dos salários. Também pretendiam acabar com as indenizações por demissões sem justa causa. Agora, pelo jeito, ficará mais difícil.

As manhas do relator

Designado relator da emenda constitucional do terceiro mandato, o deputado José Genoíno fez chegar à imprensa seu desacordo com a proposta, que considera antidemocrática. O problema é que na concepção do ex-presidente nacional do PT, o ideal para o país seria acabar até com a reeleição, ampliando-se os períodos presidenciais para cinco ou seis anos.

É aqui que mora o perigo, porque se Genoíno apresentar um substitutivo nesses termos, obterá grande adesão parlamentar. Só que com uma interpretação manhosa: aprovada a emenda, será iniciado um novo sistema, ou seja, com o apagador passado no quadro negro. Nesse caso, para concorrer a um único mandato ampliado, já em 2010, todos os brasileiros na pose de seus direitos políticos poderiam concorrer. Inclusive ele. No caso, o presidente Lula. E com a extensão da prerrogativa para todos os governadores, mesmo os que já foram reeleitos.

Agora não tem verticalização

Um dos argumentos alegados pelo PMDB para não ter candidato nas eleições de 2002 e 2006, para presidente da República, foi a verticalização. Era uma dessas mágicas tiradas da cartola da Justiça Eleitoral, determinando que os acordos celebrados pelos partidos nas eleições presidenciais teriam obrigatoriamente que ser seguidos nas eleições de governador. Ou seja, se aliado ao PT, indicando por exemplo o candidato a vice na chapa do Lula, o PMDB não poderia ter, em nenhum estado, candidatos a governador apoiados pelo PSDB e outros adversários dos companheiros.

A verticalização caiu, por decisão do Congresso. Significa que Michel Temer poderia ser indicado vice de Dilma Rousseff, no plano nacional, mas Orestes Quércia também poderia candidatar-se a governador de São Paulo, ou a senador, com o apoio de José Serra.

O desafogo tem condições, até mesmo, de incentivar uma candidatura presidencial própria do PMDB, ano que vem, pois não prejudicaria alianças variadas nos estados. Roberto Requião, Nelson Jobim, Pedro Simon, Sérgio Cabral e outros não se animariam, sabendo que os diretórios municipais e estaduais deverão reunir-se até o fim do ano para decidir, num amplo congresso partidário?

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