sexta-feira, 29 de maio de 2009

A visão de Marcos Vilaça além do horizonte

Pedro do Coutto

É, por todos os aspectos e motivos, um belo livro, este que chega às minhas mãos, lançado pelas Edições Consultor, sobre os dois anos que marcaram de forma luminosa e indelével a passagem de Marcos Vilaça na presidência da Academia Brasileira de Letras. O período emociona pelo toque que ele deu à cultura nacional, em suas múltiplas formas e expressões, do regional ao universal, sempre dentro do tom e do nível capaz de exprimir que ela, a cultura, é sobretudo a passagem do humano pelo mundo, seu eco, seu rastro, sua sombra. Está em todos os lugares. Numa das apresentações da obra, Carlos Heitor Cony afirma que a visão de Vilaça tem a ternura do poeta e a indagação do estudioso do universo. Um navegante, digo eu, acima de tudo um ser humano extraordinário, sempre fraterno e voltado para a construção. Sempre voltado tanto para o hoje quanto para o amanhã. O passado, disse ele próprio quando passou a ABL a Cícero Sandroni, se nele houve pequenos problemas, eu deletei. Está aqui a síntese da personalidade daquele que a 29 de junho completa 70 anos e deixa o Tribunal de Contas. Fica na cultura, fica com a doce Maria do Carmo, fica com ele mesmo. Mas esta é outra questão.

Para Além do Pórtico, é o título da obra. Subo nele e coloco além do horizonte tentando com isso expressar uma busca permanente de saber e, mais importante, saber sentir e interpretar. Sua passagem na presidência da Academia foi acentuada por encontros e mais encontros de artistas com a própria arte e o reconhecimento. Ele, Marcos Vilaça, abriu o palco da sensibilidade e da percepção. Descortinou cenários para que neles a afirmação humana encontrasse espaço. É exatamente esta a tarefa do construtor, do motivador, do impulsionador. Ultrapassar horizontes. A linguagem poética, creio, cabe neste ponto. Dou um exemplo axiomático, mas nem por isso menos verdadeiro e objetivo. Em cento e dez anos de cinema, Hollywood produziu um Fred Astaire, um Gene Kelly. Deveria ter produzido dois de cada um. Mas não conseguiu. Porque provavelmente os que ficaram anônimos na estrada não encontraram o caminho de se afirmar afirmando sua arte. É fundamental, portanto, abrir espaços. Olhar o horizonte e achar que a visão pode ir além dele. Muitos talentos e até gênios são revelados assim. Sozinhos não conseguem. Têm qualidade. Mas necessitam que alguém lhes ilumine e abra o caminho. Nada mais legítimo, desinteressado, humano e belo do que tal modo de ser. O modo Marcos Vilaça.

Na obra, nos textos selecionados, ele próprio sintoniza isso ao citar o poeta T.S.Eliot: o infinito ciclo da idéia e da ação. A idéia também possui lembranças. Na obra um capítulo dedicado a Marcantonio, seu filho, que se foi cedo demais. Vilaça apresenta-se sempre com esperanças e sonhos. Sem sonhos e sem esperanças, é difícil viver. Com eles, a existência flui como um rio para os que sabem passar de uma margem à outra sem mudar o rumo. Não desistir nunca, escreve Vilaça ao lembrar dom Helder Câmara, que considerou tal disposição a maior graça que um ser humano pode receber de Deus. Vilaça nunca desistiu do propósito de acrescentar. A palavra é esta. É acrescentando que ele se sente bem. É acrescentando que ele responde às questões que todos nós mantemos com os outros e conosco mesmos. Coube a ele na presidência da ABL comemorar a passagem do centenário de morte de Machado de Assis e dos 110 anos da Academia. Foram momentos eternos. Como o episodio da morte de Guimarães Rosa, em 1967, narrado no livro, depois de adiar por quatro anos sua posse. O escritor temia a emoção e o desfecho. Mas deixou escrito: as pessoas não morrem. Ficam encantadas. Um encantamento ler Para o Além do Pórtico. Um encantamento ler e ser amigo de Vilaça.

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